Quer presentear uma bailarina ou estudante de Dança do Ventre? Dê músicas novas a ela. A maioria de nós é doente por uma coletânea nova. Quando vou a um workshop e adquiro um cd novo, ou quando qualquer música que eu desconheço chega até mim, quero escutá-lá compulsivamente e "testá-la" no corpo. A música faz parte do meu dia-a-dia... Não só nas aulas e nos meus estudos, mas também no carro, na cozinha, na hora do banho... Tudo na minha vida tem trilha sonora. |
Há uns dias atrás conversando com uma experiente professora de Dança Oriental daqui da Inglaterra, ela me contou uma história incrível: em 1990, quando ela começou a fazer aulas, ela encomendava fitas cassetes de um revendedor de artigos para dança de Berlim, na Alemanha, que por sua vez fazia o pedido a um vendedor no Egito. Pois bem, segundo ela, uma fita cassete nova levava de 30 a 40 dias pra chegar no interior da Inglaterra!
Imaginem isso?! Esperar 40 dias por novas músicas!
Hoje num click temos acesso a milhões de opções no Itunes ou nos infinitos sites de compartilhamento. Facil, pratico e barato... as vezes ate de graca!
Mas quais serão as implicações de toda essa facilidade no acesso a novas músicas? E sobre isso que venho falar um pouco no post de hoje.
Sinto que, atualmente, muitas professoras não equilibram a utilização de músicas modernas com as do repertório mais tradicional na rotina das aulas. O interesse de muitas alunas e professoras parece girar em torno somente das "novidades". Sei disso pois, muitas vezes, percebo o desconhecimento por parte de alunas (nos mais diferentes níveis) em relação a músicas, cantores, compositores e versões que, em tese, deveriam fazer parte do repertório base de todas as bailarinas/professoras de Dança Oriental. Ou ainda, muitas que dizem não gostar de músicas tradicionais, mas na verdade adoram versões recentes de grande clássicos, sem se quer desconfiar que se tratam de músicas antigas.
Não estou querendo impor uma regra: todas nós TEMOS que saber a respeito do universo da música classica/tradicional Árabe. Essa Não é a questão. Não posso deixar de considerar as diferenças de preferência e estilo no trabalho de cada profissional. Mas acredito que até mesmo para fazer essa escolha consciente a respeito do estilo de música que norteará o seu trabalho, e imprescindível entrar em contato com o máximo de informação possível, para respaldar suas escolhas.
Fazendo uma analogia bem simples, é como aquele exemplo da criança que diz não gostar de beringela, sem se quer nunca ter experimentado, sabe? Acredito que precisamos experimentar mais, pesquisar mais, procurar mais... E por que não ir lá atrás na linha do tempo... na fonte daqueles que influenciaram tudo o que vem sendo produzido na música Árabe nas últimas décadas?
A seguir listo de forma resumida algumas referências e informações sobre grandes nomes que fizeram história, para que possamos nos inspirar nesse universo.
Mohammed Abdel Wahab (1902 - 1991) Cantor, ludista e compositor Egípcio, muito criticado na sua época pela utilização de influencias ocidentais, Mohammed é considerado um inovador dentro do estilo da música Árabe Clássica (introduziu, por exemplo, o ritmo waltz (valsa) em suas composições). Atuou em vários filmes, compôs os hinos da Líbia, Tunísia e Emirados Árabes, além de famosas composições para seu grande amigo Abdel Halim Hafez, e para a diva Umm Kulthum. De suas composições que são grandes conhecidas das bailarinas, estão Enta Omri, Zeina, Nebtidi el Hikaya e Msafer Wahdak. Hino da Líbia: https://www.youtube.com/watch?v=ISbyDqRExYQ |
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Abdel Halim Hafez (1929 - 1977) Ícone da música Egípcia, e considerado o primeiro cantor romântico do Egito, está entre os mais populares cantores e intérpretes Árabes. Além de cantor, era também ator, produtor de cinema, professor de música, homem de negócios e maestro. Foi extremamente pobre na infância e cresceu em orfanatos ao lado dos irmaos, nunca se casou, realizava caridade e trabalhos voluntários diversos, e apesar do estilo de vida simples que levava, transitava entre as elites intelectuais, de artistas e políticos do mundo Árabe. |
Dentre muitos de seus trabalhos, os que são facilmente reconhecidos por nós da dança, estão Zay el Hawa, Sawha e Mawood.
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Umm Kulthum (1898 - 1975) De origem pobre e nascida numa vila da região do Delta do Rio Nilo, Fatima Ibrahim al-Biltaji mostrou talento excepcional para o canto desde a infância. Sempre acompanhada pela figura do pai no início da carreira, sua vida começou a mudar quando sua familia foi morar no Cairo, em 1923. |
A consolidação de sua carreira se deveu, não somente devido ao seu talento excepcional, como também pelos grandes concertos públicos que realizava (o que possibilitou a transição da música clássica elitizada para sua versão mais popular), a transmissão ao vivo de seus concertos pelo rádio, a introdução de instrumentos ocidentais em algumas composições (como o violoncelo) e o grande prestígio adquirido entre artistas, políticos e nomes influentes de todo o mundo.
Sua última apresentação foi em Dezembro de 1972. Nos 3 anos seguintes, ela lutou contra uma séria doença no fígado, e veio a falcer de um ataque cardíaco no Cairo em 1975.
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A delicadeza de um qanoun, a densidade de um alaúde, o peso de um derbake ou a leveza de uma nay só podem ser experienciados nessas músicas com maior grau de complexidade. Muitas das músicas modernas atuais são sintetizadas num teclado, que reproduz a sonoridade de muitos instrumentos, porém de forma linear e empobrecida, sem a riqueza de nuances do som do instrumento original.
Se educarmos as alunas com uma gama reduzida de estímulos sonoros, estaremos também limitando sua expressão do movimento (partindo do princípio que a dança é a tradução do som pelo movimento). A quanto mais estímulos sonoros elas forem submetidas, a quanto mais instrumentos elas forem apresentadas, mais sensível e rica será a experiência da dança.
Saber um pouco mais sobre esse universo pode nós trazer outras vontades, questionamentos, gostos, opiniões, dúvidas... E assim vamos caminhando. Mudando e aprendendo.
Nos vemos no próximo post, com a Parte II desse assunto.
Aguardo seus comentários.
Boa semana e um abraço,
Elis