O post de hoje foi motivado por recentes acontecimentos, mas principalmente pela experiências que vivi nesse último final de semana, que me fizeram "cair muitas fichas". Espero que some às suas reflexões também ;)
Bem, tudo começou há duas semanas, desde quando o mercado da Dança Oriental da Inglaterra não pára de falar sobre um acontecimento desagradável que ocorreu dentro de um grande e tradicional festival de dança daqui: um respeitadíssimo professor Egípcio, num momento de impaciência diante da incapacidade de grande parte do grupo de seguir sua coreografia num workshop, decidiu falar sobre quanto o nível das bailarinas Inglesas era baixo, e o quanto esse fato era conhecido no meio internacional da dança. Não contente, disse que "não aguentava mais essa história de Dança por hobby", e que todas deveriam levar a dança mais a sério.
Vocês podem imaginar o que isso rendeu... Pessoas saindo no meio do workshop, pedindo dinheiro de volta, não aplaudindo o professor no show de gala do evento e principlamente, numa infinidade de posts e discussões nas redes sociais, que foram inflamando os comentários até o ponto da xenofobia.
Quando os comentários chegaram a esse ponto "Não precisamos mais desses estrangeiros ensinando em território Inglês", a coisa chegou em mim. Muitas Inglesas se posicionaram contra esse argumento, não só enaltecendo o trabalho de nomes estrangeiros dentro do país (como o meu), mas também relembrando as mais alteradas de que a Dança Oriental é Oriental, e não Inglesa, e que assim a afirmação da não necessidade de professores de fora do país, era no mínimo, absurda. |
- O quanto nós, professores, temos de ter cuidado em nossas colocações, principalmente quando essas são polemicas. Como estrageira, e como alguém com um olhar de fora da comunidade, consigo entender a queixa do professor - quando comparado ao nível de países como Alemanha e Espanha, por exemplo, o nível do mercado da Inglaterra de fato é mais baixo (qualidade técnica e conhecimento da Dança de uma forma geral). No entanto, da forma como foi falada, sua colocação foi absolutamente infeliz e improdutiva.
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- O quanto o mercado de Dança Oriental precisa URGENTEMENTE repensar e rever os mecanismos de funcionamento e realização dos festivais e eventos com workshops e aulas - esse e um tópico que ja venho falando ha tempos em outros posts. Não dá mais pra colocar "mulheres com inteeresses e motivações múltiplas perante a Dança, todas juntas e num mesmo pacote". O mercado se desdobrou nos últimos anos em diversos nichos, e é necessário reestruturar os festivais, não só para atender diferentes demandas, mas também para profissionalizar esses setores e tirar melhor proveito de cada público. É inegável que existe um enorme grupo consumidor de alunas denível Básico/Intermediário que não visam a dança profissional ou de grande vertente técnica. Esse grande grupo não pode ser ignorado, mas sim absorvido de uma outra forma. Assim, a pessoa que não tem nível para acompanhar um "master class" de um mestre Egípcio, teria outras opções para o seu nível dentro do mesmo festival.
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PRIMEIRO
Dei aula para um grupo fechado de professoras em Kent, no Sul da Inglaterra. Esse foi, sem sombra de dúvida, o grupo de profissionais mais heterogênio e eclético que eu já trabalhei ever, a começar pela faixa etária, que ia dos 30 aos 70 anos!
O nível técnico, na minha concepção, não era o se eu esperaria de um grupo de professoras - ainda mais considerando que algumas delas tinham mais de 15 anos de experiência professional. Porém, duas coisas me chamaram demais a atenção: o nível de envolvimento e comprometimento com minha aula, que foi acima de média, e o conhecimento que elas tinham acerca da Dança era muito profundo (História, Geopolítica, Música, estilos da Dança, etc).
Todas as 10 alunas, sem exceção, já viajaram para Egito, Marrocos e Turquia para fazer aulas, participar de Festivais e imersões culturais. Algumas delas viajam anualmente para os festivais do Egito, ou para fazer aulas particulares com alguns professores de lá.
Isso foi um tapa na minha cara!
As conversas pré, durante e pós aula foram riquíssimas. Tenho de ser sincera em admitir que o nível de informação que elas trocaram comigo eu raramente troco com profissionais do meu próprio meio.
E daí, para cair o meu queixo de vez, ao final dos meus workshops, quando eu já estava pronta pra ir embora, vi que elas estavam se reunindo numa sala ao lado, que continha mesas e cadeiras. Perguntei se elas não iriam embora, e a organizadora disse-me que não, pois elas tinham um grupo de estudos teóricos 1 vez por mês, quando discutem assuntos relativos à Dança. O grupo se organiza num rodízio: cada uma delas é responsável por estudar um assunto por mes, para que o mesmo seja compartilhado com o grupo nesse encontro mensal.
Outro tapa na cara!
Terminados meu workshops, fui para um show em Salisbury onde moro, no Sudoeste da Inglaterra. Lá encontrei alunas, ex-alunas e conhecidas, além de bailarinas da Alemanha, Bélgica, Itália e Estados Unidos que também residem no Reino Unido. Num ambiente muito descontraído, o evento contou com as apresentações de alunas, profissionais e pessoas que "levam a danca como hobby".
Era uma cenário de mulheres com diferentes relações e valores perante a Dança.
Num mesmo evento existiam pessoas como eu, que vivem exclusivamente Dança, uma aluna que estava dançando pela primeira vez depois de vencer sua batalha contra o câncer de mama, outras que levam a Dança como segunda profissão, uma aluna minha que estava dançando celebrando a sua partida para a realização de 3 meses de trabalho voluntário com as crianças albinas ameaçadas de morte na Tanzânia, uma outra aluna dançando pela primeira vez depois de um doloroso processo de divórcio, uma outra balairina dançando pela primeira vez, em anos, mostrando a barriga, depois de ter perdido mais de 15 quilos... enfim... tantas motivações, tantos universos singulares onde a Dança tem para cada uma um significado individual.
Não tive como não me sensibilizar com toda essa experiência do último sábado.
Me lembrei da frase do professor Egípcio de que "as Inglesas tem de levar a Dança mais a sério". Hoje posso dizer que aprendi que isso é muito particular, e que se cada uma de nós tiver mais consciencia do porquê que pratica essa dança, cada uma, dentro da sua verdade, poderá ter 100% de envolvimento, levando 100% a sério dentro de seus próprios objetivos.
Isso não quer dizer que a partir de agora eu vou "passar a mão na cabeça" das pessoas que vierem fazer minha aula, pois as motivações delas podem não ser as mesmas que as minhas. Pelo contrário! Acredito que quanto mais tivermos a percepcão aguçada e sensível para reconhecer e validar o diferente, mais inspiração, coragem e clareza teremos para trilhar nosso próprio caminho.
Da mesma forma como fui inspirada pelas verdades individuais, experiências e visões dessas mulheres especiais que conheci no final de semana, ter a clareza do papel e do lugar que essa Dança ocupa na minha vida, pode servir de inspiração para outras mulheres... Alunas, bailarinas, público... E assim a gente vai seguindo nessa rede infinita de relações e influências, mas cada uma na sua história.
A busca pelo estilo próprio, a dança consciente, saber as reais motivações que fazem seguir na dança, a negação às fórmulas prontas, a fulga dos esteriótipos, a dança e trabalho autorais e tudo aquilo que nos guie para a valorização das individualidades, não será somente positivo para o indivíduo aluna/bailarina/professora/artista, mas para todo o mercado da Dança, que ganhará em criatividade, expressividade, competição saudável e riqueza de informação.